Há poucos dias recebi uma mensagem carinhosa de uma amiga querida ,
que talvez esteja lendo este post. Entre outras coisas, ela me dizia: “quando
conheci você, eu o achava carrancudo (rs). Com o passar dos anos vamos vendo
tantas coisas (rs). Gosto muito de você.”
Eu lhe respondi: “Você não estava errada. Eu era meio carrancudo
mesmo. Precisei de mais uns anos depois do Osho Khalid para caírem umas fichas
e me relaxar.”
Há cerca de 30 anos eu recebi uma mensagem do Osho, e a uma pergunta
que eu lhe dirigi, ele me respondeu: “Não
seja um missionário. Seja a mensagem.”
E durante muitos e muitos anos, sem ao menos perceber, eu segui sendo uma
espécie de missionário. Não havia captado a mensagem.
Eu sempre fui um “fazedor” e aprendi com meu mestre que não tinha que
brigar com isso, pois esse era o meu “jeitão”, fazia parte do tipo de
personalidade que escolhi ser entre as várias opções que me foram dadas ao
longo do meu crescimento. A questão não era o “fazer”, mas sim o “como fazer”.
Confesso que me esforcei muito em tentar fazer as coisas meditativamente. Anos
a fio fazendo Dinâmica, Kundalini, Nadabrahma e tudo o mais. Sem perceber que
esse “como fazer” não viria através do esforço.
Grupos e mais grupos de terapia me ajudaram demasiadamente a ser quem
hoje sou. Mas foi um processo difícil tal como tirar água na pedra. Foi bem
assim. E depois de algum tempo uma filete de água começou a brotar na pedreira.
Abracei de corpo e alma a comunidade dos companheiros de viagem.
Muitas belas amizades floresceram e que guardo com carinho no coração até hoje.
Mas eu sempre queria “organizar as coisas”.
Eu trazia comigo o espírito de organização que absorvi como bancário
do Banco do Brasil e um espírito de luta que aprendi na minha militância politico-estudantil.
Desde a minha primeira ida a Puna em 1987 eu já quis “entender” como
funcionava a comuna, como poderia ser um distribuidor dos livros e CDs, como
era a “organização”, quem era quem. E voltei organizando e coordenando diversos
centros de meditação, integrando o grupo que editava o jornal Osho Times,
tornando-me agente da Osho Internacional junto às editoras nacionais que
publicavam Osho, criando por sugestão de Puna o Instituto Osho Brasil.
E assim eu fui “fazendo, fazendo e fazendo”. Sempre com a “língua pra
fora”, e carrancudo, como diria minha amiga querida.
Certa vez cheguei em Puna exausto. Estava bem esgotado após
desenvolver e implantar um amplo projeto de seminários no Banco do Brasil para
melhoria do atendimento que atingiu mais de 50 mil funcionários, no qual incluí
vários textos seletos do Osho.
Precisava de uma boa massagem e, ao entrar na sala, a terapeuta
simplesmente pediu que eu sentasse e contasse o que estava acontecendo comigo.
Após, orgulhosamente relatar todo o meu feito, ela me disse: “Osho não está lhe
dizendo para fazer isso ou aquilo. Ele está lhe dizendo apenas para ser feliz.
Só isso: seja feliz”. Putz! Que ducha de água fria. Eu nem precisei, nem ela me
deu a tal massagem. Eu desmontei ali mesmo.
E assim, fui aprendendo passo a passo que a questão não é a meta, mas
o caminhar.
Mas a vida é mestra e as curvas e obstáculos do caminho muitas vezes
nos ajudam a abrir os olhos e ver coisas até então ocultas, ainda que estejam
ali, diante de nossos olhos.
Foi com muita relutância que retornei à minha cidade natal há cerca de
10 anos.
Todos os fantasmas e sombras do passado estavam a postos atrás de cada
esquina, atrás de cada pilastra. Eu tive que olhar um a um nos olhos e, para
minha surpresa, todos foram se dissolvendo, um a um. Uns mais rápidos e outros
mais demorados, mas todos se dissolveram.
E aqui, distante fisicamente da minha tribo de origem, da maioria dos
meus velhos e queridos companheiros de viagem eu pude me dar conta de algo que
já tinha lido (e traduzido) do Osho anos atrás:
“Essa
foi a coisa mais infeliz no passado: discípulos organizaram-se,
relacionando-se, e todos eles eram ignorantes. E pessoas ignorantes só
conseguem criar mais chateação no mundo do qualquer outra coisa. Todas as
religiões têm feito exatamente isso.
Nós já temos sofrido demais devido ao relacionamento direto de discípulos entre
si, criando religiões, seitas, cultos, e depois brigando. Eles não
conseguem fazer nada mais.
Pelo menos comigo, lembre-se disso, apenas uma 'amistosidade' líquida, não uma
amizade sólida, é suficiente e muito mais bela, sem qualquer possibilidade de
causar danos à humanidade no futuro."
Comecei então uma nova etapa em meu processo pessoal de crescimento:
Aprender a ser só, ou como diria o Gilberto Gil, aprender a só ser.
Foi o empurrão que eu precisava para parar, relaxar e deixar as fichas
caírem, uma a uma.
Eu, sozinho, perambulando pelas ruas, um desconhecido na multidão, sem
um centro de meditação para coordenar, sem uma comunidade de amigos para com
eles morar, sem uma auto imagem a preservar e exibir... Pouco a pouco fui (meu
ego foi) me reduzindo a uma pessoa comum, a um mero transeunte no meio de
outros milhares, parando numa padaria para tomar um cafezinho e saborear um pão
de queijo como qualquer habitante desta cidade. Nada especial. Eu já não era
aquele sannyasin que se “achava” um guardião da mensagem do Osho, aquele que
tinha que traduzir mensalmente um novo texto do Osho para publicar no site do
Instituto, já não tinha que editar mensalmente o boletim/revista on-line
fazendo a conexão nacional dos sannyasins. E pouco a pouco fui deixando uma
série de papéis que havia assumido, fui cada vez mais me desnudando. Meu foco
foi deixando de ser as grandes coisas, os grandes projetos e comecei a me
conectar com as pequenas coisas reais, com os pequenos detalhes da vida, com
minhas sensações internas, meus sentimentos mais puros, sem o filtro da mente.
Olhar com o coração, ver as pessoas, as árvores, os cães que passam nas ruas.
Me vieram então tantas citações do Osho, muitas delas eu havia lido e
repetido feito um papagaio. Numa dela ele dizia:
“A
palavra ‘inspiração’ é perigosa.
Primeiro
é inspiração, depois se torna seguimento, depois se torna imitação – e você
acaba sendo uma cópia carbono. Não há necessidade alguma de ser inspirado por
alguém. E não é apenas não ser necessário, é perigoso também. Apenas
observando, eu tenho visto... cada indivíduo é único. Ele não pode seguir um
outro alguém.
Ele
pode tentar – milhões tem tentado por milhares de anos. Milhões são cristãos,
milhões são hindus, milhões são budistas. O que eles estão fazendo? A
inspiração de Goutama Buda fez milhões de pessoas budistas e agora eles estão
tentando seguir seus passos. E eles não estão chegando a lugar algum; eles não
conseguem.
Você
não é um Goutama Buda e o rastro dele não se ajusta a você, nem os sapatos dele
servem em você, você terá que encontrar o tamanho exato de sapato que lhe
sirva.
A
inspiração tem sido um infortúnio, não uma benção.
Assim,
por favor, não se inspire em mim, caso contrário você será apenas uma cópia
carbono, você não terá a sua autêntica e original face. Você será um hipócrita:
você dirá uma coisa e fará outra. Você mostrará a sua face em situações
diferentes com máscaras diferentes, e aos poucos você se esquecerá qual é a sua
face verdadeira; são tantas as máscaras...”
Foi aí que comecei meu processo de independência do Osho. Como ele
sempre disse que não era muleta nem guarda-chuva de ninguém, eu comecei meu
processo de jogar fora a muleta e o guarda-chuva que eu vinha carregando. E
simultaneamente fui aprofundando meu processo pessoal de presença, de estar
presente aqui e agora, de me desligar do processo mental e deixar fluir, pouco
a pouco, as minhas próprias percepções, as minhas puras sensações, deixando que
os sentimentos brotassem, os insights acontecessem. Me ajudou muito nesse
processo as minhas idas a Ibitipoca-MG, na serra da Mantiqueira, onde minha
companheira Nirava tem uma aconchegante casa e um belo terreno de apenas
1.200m2, mas o suficiente para eu aprofundar uma linda relação com a terra. A
criação de um jardim, com toda a sensibilidade estética que ele envolve, com
toda a delicadeza necessária no trato com as plantas e flores, com o estudo e a
compreensão de como funciona o solo, a recuperação do solo, a escolha das
plantas mais adaptáveis aqui e ali. E depois, a formação do pomar, o respeito
às árvores nativas pré-existentes, as plantinhas nativas cheias de flores
delicadas. E num terceiro momento, a horta orgânica, com a imensa satisfação de
colher a couve, o alface, o milho, o tomate, a abobrinha e tudo mais.
E no meio de tudo isso, o silêncio das montanhas, quebrado pelo
maravilhoso canto dos pássaros, os mais variados. De repente, surge numa árvore
um João-Bobo e a gente fica hipnotizado. De outra feita foi uma
saíra-sete-cores que nos deixou de boca aberta. Aí surge uma seriema que
resolveu nos visitar sem avisar.
E nesse ambiente, o relaxamento acontece, os insights brotam do nada,
e a meditação acontece sem qualquer técnica especial.
Mas corro um sério risco de me tornar um escapista. Lembro-me mais uma
vez do Osho nos alertando que é fácil ser um meditador nas montanhas; o difícil
é ser um meditador na praça do mercado.
Me veio então outro texto primoroso dele:
“(...)
Eu sempre quis que o meu povo ficasse no mundo, vindo a mim ocasionalmente,
ficando comigo, refrigerando-se, depois voltando para o mundo, porque o mundo
tem que ser mudado. Nós não somos aqueles que renunciam ao mundo.
Todas a religiões andaram ensinando: ‘Renunciem ao mundo.’
Eu lhes ensino transformem o mundo. (...)
Mas o
mundo está onde está o trabalho. Isto aqui é uma escola de mistério. Nós não somos
os renunciadores, nós somos os revolucionários.
Queremos mudar o mundo todo
E, ao mudar o mundo, vocês mudarão a si mesmos. Vocês não podem mudar nada
mais, a menos que passem através da mudança simultaneamente.”
Então me vem essa conexão com o mundo. E eu abro os olhos para ver o
mundo dos homens. Para ver essa realidade mais próxima que me cerca, esse nosso
Brasil dos brasileiros. E, convenhamos, o cenário não está nada agradável.
Todos os dias somos acordados com notícias de novas denúncias de corrupção, de
violência, de muita coisa feia que dói os olhos e os ouvidos.
Então, surge o grande desafio: como estar no mundo? É claro que tem a
grande máxima: “estar no mundo, sem ser do mundo”. Mas a máxima começa
exatamente com o “estar no mundo”. E é claro que cada um tem suas ferramentas,
seus instrumentos para ver e se situar nesse mundo.
Minha formação foi em História. Fiz o curso de História, lecionei no
ensino médio durante 20 anos, paralelamente ao meu trabalho como bancário.
Aliás, ensinar História era o meu grande barato e eu gostava de estudar
História, entender o desenrolar do processo histórico, as relações com as
mudanças econômicas, a evolução das estruturas de poder, os movimentos
populares clamando por igualdade e justiça ao longo dos séculos. Tudo isso deu
uma bagagem enorme para minha maneira de ver tudo o que se passa na vida
nacional hoje.
Além disso, ainda na minha adolescência, eu participei de um movimento
cristão, que abriu muito minha consciência a respeito das injustiças sociais,
abriu muito meu coração, para me sentir compassivo e solidário para com todos
os meus semelhantes que sofrem as consequências dessas injustiças.
Então, da mesma forma que eu estou conectado à natureza, à terra, às
plantas, aos pássaros, aos animais em geral, eu também estou conectado ao mundo
dos homens. Da mesma forma que eu quero ver um vídeo do Ernst Gotsch com sua
visão profunda e harmônica da Agrofloresta, da mesma forma eu me emociono ao
ouvir um Emilio Santiago interpretando Eu Sei que Vou te Amar; da mesma forma
que eu divulgo um vídeo que denuncia maus tratos a animais, eu divulgo a
condenação da fala hipócrita de um senador que está sendo denunciado por
receber propina de milhões de reais.
Entendo que o meu estar no mundo, pressupõe assumir posturas, tomar
atitudes com base na compreensão que tenho de tudo o que está me cercando.
Defendo uma série de bandeiras que o espaço aqui é pequeno para
enumerar todas. Basicamente defendo direito à liberdade, a uma vida saudável e
segura para todos, moradia, educação de qualidade, oportunidades iguais a
todos, sem distinção de classe social, de raça, ou do que quer que seja. Sou a
favor das bandeiras de defesa ambiental, de defesa das minorias, de defesa dos
animais.
Não tenho partido político, mas sou capaz de analisar as bandeiras
defendidas pelos diversos partidos e políticos.
Acompanho noticiário político desde meus 15 anos de idade. Hoje estou
às portas dos 70 e sei perfeitamente que a corrupção é um dos maiores, senão o
maior, dos problemas brasileiros. E não é de hoje.
Mas também sei da existência de todo o poder econômico oculto atrás
dos noticiários dos jornais e telejornais, oculto atrás do financiamento dos
políticos e seus partidos, tudo em troca da defesa de seus interesses. E esses
interesses não têm qualquer compromisso com o bem estar das populações, com
aquelas bandeiras que eu citei atrás. Pelo contrário, os interesses dos grandes
grupos econômicos seguem noutra direção.
Assim, num momento como este vivido atualmente pelo nosso país, pelo
nosso povo, eu sinto que o meu “estar no mundo” significa literalmente estar no
mundo. Este não é o momento para “fugir” dos problemas do mundo.
E quanto ao meu “sem ser do mundo”, é o meu desafio pessoal. E
enquanto tal, cabe a mim, exclusivamente a mim. É o que Osho diz: “E, ao mudar
o mundo, vocês mudarão a si mesmos. Vocês não podem mudar nada mais, a menos
que passem através da mudança simultaneamente.”
A minha denúncia de uma manobra política para defender interesses
ocultos, não pode ser fruto de um ativismo cego e inconsciente. A minha
denúncia é a manifestação de minha solidariedade humana, de meu comprometimento
compassivo com um povo maltratado e que, inconscientemente é manipulado pelo
interesse dos poderosos.
Da mesma forma que sou contra o uso dos agrotóxicos nas plantações,
sou contra o uso do poder econômico para manipular a população, como sou contra
muitas coisas mais. E nessa população manipulada incluo não só os menos
favorecidos social e economicamente, mas aqueles que com um mínimo de instrução
e condição material, não têm o discernimento necessário e suficiente para saber
que estão sendo massas de manobra.
A cada passo, a cada denúncia, a cada compartilhamento de petições,
cabe a mim dar um passo atrás e ouvir meu próprio coração, minha fonte interna
de sabedoria, ouvir meu mestre interior. A meditação é o meu canal.
Esse é o meu desafio.
E é muito oportuno lembrar Bertrand Russel, numa entrevista que
compartilhei há poucos dias nas redes sociais, “Nesse mundo que está ficando cada vez mais conectado, nós temos que
aprender a tolerar uns aos outros, temos que aprender a aceitar o fato de que
algumas pessoas dizem coisas que não gostamos. Só assim nós poderemos viver
juntos, só dessa forma.”