terça-feira, 24 de novembro de 2015

Levantando algumas bandeiras

Oração significa uma conversa, uma súplica, um agradecimento ou um ato de louvor diante de um ser, o qual está além da capacidade humana conhecer, que pode ser Deus, um Santo ou uma entidade com poderes sobrenaturais.

Já a meditação acontece quando a mente deixa de lado toda a sua tagarelice interna sem sentido, quando o fluxo de pensamentos para, e, de repente, naquele silêncio você tem a experiência de simplesmente estar presente; uma presença da qual você estava inconsciente, mas que sempre esteve ali. É a presença de sua consciência, de seu ser.

Enquanto a oração leva a uma conexão com algo externo (um Deus, uma Entidade), a meditação leva a uma conexão com o seu ser mais interno. Na oração a mente conversa, na meditação a mente se aquieta. A oração leva você para fora enquanto a meditação traz você para dentro. A oração pressupõe a crença na existência de uma entidade divina externa, a meditação não depende de qualquer crença em divindades externas.

Seria a meditação uma fuga do mundo?

Krishnamurti nos diz “Meditação não é uma fuga do mundo; Não é atividade egocêntrica, isolante, antes, porém, a compreensão do mundo e seus usos.”
Mas ele também diz, “Pouco tem o mundo para oferecer, além de alimento, roupa e moradia, e do prazer e do seu conjunto de aflições. A meditação é um movimento para fora deste mundo; pois temos de ficar fora dele. Aí então é que o mundo tem significação e é constante a beleza do céu e da terra. Então o amor não é prazer.”

Em seu “Discurso do Adeus”(João 17), Jesus se volta para o céu e fala ao Pai, se referindo aos discípulos. Ele diz E eu já não estou mais no mundo, mas eles estão no mundo” (João, 17-11) e na sequência diz Não são do mundo, como eu do mundo não sou.”(João, 17-16). Resumindo, ele diz que os discípulos estão no mundo, mas não são do mundo.

Osho, que sempre priorizou a meditação, responde a uma pergunta, dizendo, Estar no mundo significa apenas que você estará fazendo um trabalho, que estará ganhando o seu pão, que estará vivendo com pessoas que não têm a mesma mente que você, que estará vivendo entre estrangeiros e naturalmente se sentirá um alienígena. Mas isso é algo pelo qual deve se alegrar. Eu não o mandei ao mundo para se perder. Eu o mandei ao mundo para permanecer você mesmo, apesar do mundo. E esse foi o significado da afirmação original: estar no mundo, mas não ser do mundo. Isso é tão fundamental que permanecerá inalterado.”

Como fica para mim, simples buscador, estar no mundo, sem me perder, permanecendo eu mesmo? E quem é esse “eu mesmo” que não pode ou não deve ser perdido?
Se eu ainda estou no mundo da mente (como suponho estar 99,9% das pessoas) eu leio tudo isso e, é claro, interpreto com o filtro dessa minha mente, carregada de conceitos e preconceitos, de crenças, de ideias e projeções, de interpretações.

Para seguir este meu raciocínio, vou citar Osho mais uma vez: Quando dizemos que o mundo é ilusão, maya, isso não significa que o mundo não exista. Ele existe, mas o modo como o vemos é que é uma ilusão. O que vemos não pode ser encontrado em lugar algum. Nós criamos um mundo em torno de nós mesmos, e cada um vive em seu próprio mundo. É por isso que há uma colisão; mundos colidem, o seu mundo e o meu.”

Será que eu compliquei as coisas, com mais essa citação?
Espero que não. Eu apenas quero fazer uma colocação que para mim é muito oportuna.
E tenho que ter humildade para reconhecer que posso estar totalmente iludido em minha maneira de ver mundo. Mas, neste exato momento, é como eu consigo vê-lo. E entendo e aceito que outras pessoas vejam esse mundo a partir de outras perspectivas. Estarão elas iludidas? Eu não tenha essa resposta. E até que elas exponham suas visões com a devida clareza e fundamentação, e eu as considere plausíveis, eu continuarei discordando de muitas delas, da mesma forma que elas poderão estar discordando de mim. E não vejo nenhum problema nisso.

Vou tentar me colocar de maneira mais clara.
Eu me vejo situado num mundo insano, num sistema que torna as pessoas insanas de tal modo que essa insanidade nem é detectada. O sistema é perverso, impõe uma permanente competição, uma corrida louca atrás de dinheiro e mais dinheiro, de mais poder e mais prestígio; impõe um consumismo desenfreado, uma valorização do supérfluo e do superficial. A busca incessante de lucros e mais lucros, faz com que nossa agricultura e nossa indústria de alimentos estejam mais voltadas para a dimensão negocial do que para a nutrição das pessoas. Estas pessoas, com a correria das cidades, alimentam-se mal, dormem mal, vivem estressadas, seguem hipnotizados pelos seus sonhos de consumo, relacionam-se mal, enfiam a cara nas drogas lícitas ou ilícitas, e o resultado é o aumento considerável na venda de ansiolíticos, antipsicóticos, relaxantes. A indústria farmacêutica agradece, mas isso é terrível.
Também vejo por trás de todo esse cenário, um jogo de poderosos grupos que dominam a situação global e cada vez mais se enriquecem e se tornam mais dominadores. São grupos internacionais do capital financeiro, da indústria bélica, da indústria farmacêutica, do agronegócio, das grandes mineradoras, das companhias de petróleo, como se fosse uma rede que se espalha, financia e controla os políticos, para defenderem seus interesses, e os meios de comunicação para manipularem as grandes massas populacionais como um rebanho. Eu vejo também uma distribuição de renda muito injusta, onde 1% possui tanto dinheiro quanto os 99% restantes da população mundial, num ambiente onde ainda imperam a discriminação e a exclusão social por razões raciais, sexuais, religiosas e etárias. Junto a isso, um crescimento da agressividade, intolerância e violência, não apenas nos ataques terroristas, mas nos simples comentários de redes sociais, revelando que as pessoas perderam o respeito pela dignidade, liberdade e individualidade alheias.

Mas vejo também nesse mesmo mundo a proliferação de estudos e trabalho de pessoas dedicadas a reverter todo esse processo e tornar esse mundo mais humano; vejo ainda organizações e indivíduos se empenhando na revitalização da natureza tão maltratada e desfigurada pela ganância capitalista; vejo o surgimento de políticas públicas para valorizar segmentos discriminados e menos favorecidos da sociedade; vejo movimentos que disseminam respeito à natureza, respeito aos seres humanos, respeito aos animais; vejo ações solidárias a menores abandonados, a vítimas de fenômenos naturais, vítimas de desastres ambientais provocados pela sede de lucros, vítimas de ataques terroristas, vítimas de guerras. E tudo isso tem um valor imenso.

Tudo isso compõe esse mundo em que estou. Com suas insanidades e suas virtudes.
Para mim, o desafio é: como estar nesse mundo, sem ser desse mundo e ao mesmo tempo não ficar cego diante de todo esse cenário?

Por um lado, eu estou buscando meu estado de presença, fazendo experimentos, estou buscando e vivenciando a minha felicidade e realização nos pequenos atos, no aqui e agora. Por outro lado, eu estou no mundo, nesse mundo que eu vejo. E, estando nesse mundo, busco permanecer eu mesmo, em sintonia com meu centro, com minha fonte de discernimento. Grande desafio, eu considero.
E esse mundo que eu vejo, repito, tenho que ter a humildade para admitir que é uma visão com o filtro da minha mente, carregada de conceitos e preconceitos, de crenças, de ideias e projeções, de interpretações. O que aumenta ainda mais o desafio.

Mas, eu tenho também a opção de me alienar e simplesmente ignorar tudo que ocorre ao meu redor. Posso mudar-me para as montanhas e viver com os pássaros e as plantas e evitar qualquer notícia desse mundo caótico.
Posso me comportar como certa pessoa que me bloqueou numa rede social por não aceitar que eu (que ele não conhece pessoalmente, mas que considera espiritual) possa postar conteúdos de política, uma vez que, segundo ele, todo político é corrupto e, toda essa humanidade é desprezível (Como assim!!!???).
Eu acho que seria bom se essa pessoa lesse o texto do Bertold Brecht, substituindo as palavras burro e imbecil, que são muito fortes: O Analfabeto Político.
“O pior analfabeto, é o analfabeto político.
Ele não ouve, não fala, não participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe que o custo de vida,
O preço do feijão, do peixe, da farinha
Do aluguel, do sapato e do remédio
Depende das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro que
Se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia política.
Não sabe o imbecil,
Que da sua ignorância nasce a prostituta,
O menor abandonado,
O assaltante e o pior de todos os bandidos
Que é o político vigarista,
Pilantra, o corrupto e o espoliador
Das empresas nacionais e multinacionais.”

A questão de não ser deste mundo implica questões de ordem subjetiva, de busca espiritual, de silêncio interior, do estado de presença, do aqui e agora.
A questão de estar neste mundo implica a compreensão do que é esse mundo e da trama que existe por trás de tudo que podemos apontar como caótico.
Nesse sentido, se surge um novo movimento na Grécia propondo uma alternativa a esse sistema dominado pelo capital que tudo explora, então eu quero compreender o que é essa nova proposta e quero acompanhar os passos desse movimento. Quero ver se ele é exequível ou não. Talvez esteja aí uma alternativa mais humana para este mundo.
Se um economista como Paul Singer dá uma palestra defendendo que a sociedade precisa da solidariedade para que as pessoas sejam mais felizes e vivam em paz... Eu quero buscar um texto dele sobre o assunto e compartilho com meus amigos. Acho muito legal que ele inclua o quesito felicidade no campo da economia.
Se o Sebastião Salgado apresenta um projeto para ajudar a recuperar o desastre ambiental que atinge o Rio Doce, com base numa experiência bem sucedida dele próprio na recuperação de nascentes e matas, eu quero aplaudir e divulgar, e não dou força à condenação de alguns de que ele teria se vendido à Vale e está apoiado pela Globo para amenizar a responsabilidade da mineradora. Se todos pensarem assim, nenhuma proposta construtiva poderá ser implementada. Eu acredito que existem pessoas interessadas em melhorar a vida do planeta. Quero conhecer e dar força a tudo que vejo como proposta positiva em todos os níveis e em todas as áreas.
Para mim, isso faz parte do “estar no mundo”. Mas eu cuido de não me envolver “de corpo e alma” em movimentos, partidos políticos, seitas. Eu não sou cego para acreditar nas promessas de campanha e sei perfeitamente que a grande maioria de nossos políticos são corruptos e oportunistas. Mas não deixo de acompanhar as propostas, as críticas, as opiniões a respeito de medidas políticas que afetam questões sociais, ambientais, culturais, econômicas. E compartilho tudo aquilo que sinto como benéfico para o planeta e para os seres humanos.

Particularmente nesse quesito – seres humanos – eu tenho procurado, cada vez mais, ser cuidadoso com as pessoas mais próximas e também comigo mesmo, com meu corpo, incluindo aí a alimentação, o sono, a meditação, os exercícios, etc. Busco ampliar esse meu cuidado a todos os seres vivos, à humanidade, aos animais e vegetais.
Para mim, não é possível buscar a espiritualidade, orando ou meditando, e não cuidar do próprio corpo, não cuidar das pessoas mais próximas, não cuidar da humanidade em geral. O difícil mesmo é quando a gente tem que encarar um político corrupto, um criminoso comum ou um terrorista e fazer um namastê (“O Deus que habita em mim saúda o Deus que habita em ti”), afinal, embora cada um tenha histórias de vida diferentes, programações diferentes, lá no fundo todo mundo tem essa fagulha divina.

Se nesse confuso cenário político nacional já não dá para se filiar a um partido ou ser um fiel seguidor de um líder, porque nunca se sabe o grau de comprometimento que este ou aquele assumiu com o financiamento de suas campanhas, ou mesmo qual seu envolvimento com este ou aquele ato de corrupção, eu prefiro seguir o meu caminho, identificando aqui e ali algumas bandeiras que entendo devam ser levantadas e compartilhadas, independentemente da cor partidária que possa trazer consigo. Gosto do movimento das mulheres pelos seus direitos, assim como dos direitos dos homoafetivos; dos movimentos em defesa da causa negra e dos indígenas; gosto das políticas que beneficiam os segmentos mais desfavorecidos da sociedade, como programas habitacionais, maiores oportunidades nas universidades, programas de atendimento médico; gosto do trabalhos de ONGs em defesa do meio ambiente, de proteção das espécies em extinção. Mais do que me comprometer com um partido ou um movimento político, eu tenho optado por apoiar, da forma que sinto serem possíveis para mim, essas bandeiras que tocam a minha alma humana.

“Parece que o homem existe para todos estes tipos de coisas - democracia, socialismo, fascismo, comunismo, Hinduísmo, Cristianismo, Budismo, Maometismo.
A realidade deveria ser que tudo isso existisse para o homem; e o que fosse contra o homem, não deveria de forma alguma existir.
Todo o passado da humanidade está cheio de ideologias estúpidas pelas quais os povos estiveram fazendo cruzadas, matando, assassinando, queimando pessoas vivas. Nos últimos três mil anos lutamos cinco mil guerras, como se a vida fosse para lutar e não para sermos criativos, não para desfrutarmos dos presentes da natureza.

Temos que abandonar toda esta insanidade.” OSHO