Eu entendo e respeito o direito das pessoas terem
preferências políticas diferentes das minhas. Eu também tenho as minhas. Isso
faz parte do jogo político dentro de uma democracia. É direito da maioria escolher
o governante e promover a alternância de partido no poder quando sentir que
seus anseios não estão sendo atendidos.
A democracia é uma conquista recente do Brasil e o Brasil
somos todos nós. Somos nós que fomos às ruas lutar pelas “Diretas Já”, foi o povo
que lutou contra uma ditadura que por vinte anos pisou nos nossos direitos de
termos nossas preferências políticas e, entre outras coisas, tirou do povo o
direito de alternância de poder.
Eu entendo e respeito essa moçada que hoje faz passeatas
contra “tudo o que está aí”. Quem tem 30 anos hoje, não conheceu os “anos de
chumbo”, não conheceu inflação de 82% ao mês (sim, ao mês, não é ao ano), não
sabe o que é dificuldade para se ter um trabalho remunerado com carteira
assinada.
E digo mais, quem tem 30 anos hoje, ainda era criança quando
o nosso país estava endividado junto ao FMI e recebia frequentemente as
humilhantes visitas de seus enviados que vinham nos ditar normas e cobrar
providências. Quem tem 30 anos hoje não sabe que tivemos um tempo em que não
havia esse poder e essa independência dos Procuradores e da Polícia Federal que
vivem farejando toda e qualquer suspeita de corrupção e outros delitos. Há 30
anos nós tínhamos o que se chamava “Engavetador Geral da República”, porque
nenhuma denúncia de corrupção neste país era investigada nem era divulgada pela
mídia.
Quem tem mais de 30 anos, quem tem 40, 50 ou mais anos, sabe
perfeitamente que neste nosso país sempre existiu corrupção e que a impunidade
das autoridades era tida como “normal”. Infelizmente, nós ainda convivemos com
esse tipo de político que manipula os votos de seus eleitores e se acha com
direitos além das leis para se locupletar às custas de seu cargo, sem se dar
conta que sua obrigação é servir ao povo e a ele prestar contas.
Mas se olharmos para nossa história temos que reconhecer que
muitas conquistas foram alcançadas nos últimos anos, tanto do ponto de vista
político, quanto social e econômico.
Entendo e respeito essa moçada de menos de 30 anos, porque
ela não teve a experiência vivencial do que era esse país há tempos atrás. Ela conta
apenas com as informações do Google, ela conta apenas com o “ouvi dizer” no
Facebook. O Google e o Facebook colocam Brasil, Haiti e Japão num mesmo saco. E
a nossa mídia completa comparando a rapidez com que o Japão foi reconstruído
após o tsuname e como o Haiti ficou paralisado após o terremoto, ou como o
Brasil demorou a fazer algo após as enchentes.
Existem muitos aspectos a serem considerados por trás dessas
diferenças. Existe uma história diferente e existem diferenças culturais,
estruturais que infelizmente são, muitas vezes, obstáculos à solução de
problemas vividos pelo povo os quais requerem tratamento urgente e emergente. E
junto com isso existe um grande agravante: os maus políticos que se espalham em
todas as esferas: federal, estadual e municipal e que insistem na demagogia, no
desvio de verbas, na manipulação dos votos.
Mas, quando essa moçada vai às ruas “contra tudo o que está
aí”, ela se torna alvo preferencial dos “velhos” interesses que estiveram no
poder quando ela era criança ou quando nem tinha nascido. É a velha direita que
agora se assume como nova direita e que tem saudades da ditadura militar ou
mesmo daqueles governos dominados pelas oligarquias regionais. Aqueles “bons
tempos” em que viajar de avião era privilégio de uma elite, quando não se via
nos aeroportos esses “Zé-povinhos” de bermutas e sandálias de dedo, aqueles
“bons tempos” em que pobre e preto se “colocavam em seus devidos lugares”, e
viviam sem reclamar de seus sub-empregos, de andar a pé, de não saber ler e
escrever, e se contentavam com o futebol no fim de semana, com o carnaval, e
com a proteção de um bom santo.
Essa raposa que agora se chama nova direita, essa eu não
entendo nem respeito.
A democracia que estamos construindo é resultado da luta de
nossos pais, nossos avós. As nossas instituições ainda estão cheias de falhas,
nossa educação, nossa saúde e nossa segurança ainda deixam a desejar. E muito.
Mas já contabilizam hoje um ganho significativo se compararmos com 30, 50, 100
anos atrás.
Eu sinto orgulho de estar vivendo este momento de
crescimento e amadurecimento do nosso país nos mais diversos aspectos. Eu sou
parte disso.
Eu não entendo e não respeito esse pessoal que quebra
agências bancárias e de automóveis e não tem uma pauta de reivindicações, não
tem uma liderança para discutir e exigir esse ou aquele projeto para solucionar
os problemas denunciados. Eu não entendo e não respeito esse pessoal que
incendeia ônibus e quebra orelhões e postes distorcendo o sentido dos
movimentos de rua que queriam apenas dizer que estava “contra tudo o que está
aí”.
E agora que estamos às vésperas da Copa do Mundo, vem um
certo alguém dizer que está com vergonha porque as obras bilionárias não
ficaram prontas.
Está com vergonha de que e de quem?
Parece com aquela classe média que sempre quis se passar por
classe alta, sempre quis se passar por alguém refinado, de bom gosto e bons
costumes. E fica apavorada quando não tem os talheres adequados para exibir nem
tem a toalha de mesa chique para mostrar ao receber a visita de alguém de fato
mais rico e refinado. Sem se dar conta, às vezes, que aquele visitante curte
mesmo é a amizade, a simplicidade, a harmonia e o calor humano que se pode
respirar num lar.
Assim é o nosso país, assim é a nossa cultura.
Nós não somos Alemanha nem Japão. O que caracteriza o Brasil
não é a eficiência de se construir com rapidez as obras que este país precisa
há décadas e décadas. Alemanha e Japão têm histórias diferentes, têm culturas
diferentes. E pagam um preço alto para serem o que são. Não é fácil ser um
alemão ou um japonês, ser rígido consigo mesmo, viver numa sociedade onde se
repreende uma risada mais alta, um choro na rua, uma conversa num tom mais
elevado. É por isso que um número imenso não só de alemães e japoneses, mas
também ingleses, suecos, suíços, etc adoram o Brasil e os brasileiros. Eles
gostam do Brasil do futebol, do samba, do sorriso, da alegria, do carnaval, da
festa de São João, do forró, do frevo. Para eles o Brasil significa
descontração, relaxamento, curtição.
Enquanto um ex-jogador de futebol brasileiro diz que sente
vergonha das obras da Copa não estarem prontas, um outro jogador espanhol diz
que não entende porque há manifestações de protestos no Brasil nas vésperas da
Copa. Segundo ele, as pessoas deveriam estar felizes porque o Brasil é o país
do futebol e a Copa está sendo realizada aqui. Então é hora de irmos para as
ruas cantar e dançar. É hora do samba e do sorriso. E ele que vive na Espanha sabe
que lá a taxa de desemprego é altíssima, ao contrário do Brasil.
Eu vivo no Brasil e sei que meu pedreiro não cumpre o prazo
prometido, sei que a telefônica só vai resolver o meu problema quando eu for no
PROCON, sei que a minha seguradora vai criar uma série de burocracias
desnecessárias para atender meu pleito. Então, se os aeroportos ficarem prontos
em 2016, eu acho que já estamos no lucro, se a transposição do Rio São
Francisco só funcionar completamente em 2017, vai ser ótimo para o nordeste que
luta com a seca há séculos, e se algum gringo reclamar comigo, eu lhe direi que
nós não somos primeiro mundo, nós somos emergentes, e com orgulho.
Eu concordo com aquele jogador espanhol. E digo mais, eu que
também me chamo Ronaldo, vou sentir vergonha se esses milhares de estrangeiros
que vierem ao Brasil forem recebidos com quebra-quebra, com ônibus incendiados,
com greves nos transportes.
Esse pessoal do primeiro mundo não precisa vir ao Brasil
para conhecer aeroporto faraônico, shoppings moderníssimos, sistema perfeito de
transporte urbano. Tudo isso eles têm lá em quantidade e qualidade. O que eles
não têm lá é a docilidade, a amabilidade, o sorriso fácil do nosso povo. O que
encanta um europeu é o drible do Garrincha, o gol do Pelé, as nossas escolas de
samba, a capoeira, o molejo do brasileiro, as nossas brincadeiras, as rodas de
samba, o nosso jeito moleque.
Essa é a nossa grande oportunidade de mostrar ao mundo que existe
uma maneira diferente de se viver, que a felicidade não é resultado da ganância
pelo dinheiro, pelo prestígio, pela carreira profissional ascendente; que a
criatividade não pode ser esmagada pela exigência de precisão, de rapidez e
rigidez de padrões. Não é à-toa que o grande filósofo italiano Domenico de Masi
afirma que com seu patrimônio histórico e cultural, o Brasil pode dar
contribuições insubstituíveis à formação de um novo modelo global, embora
admita que ainda tenhamos problemas como a distância entre ricos e pobres, o
analfabetismo e a corrupção. Mas ele destaca fatores positivos como o sincretismo,
a postura positiva em relação à vida e a aversão à guerra.
Então, eu realmente vou sentir vergonha se os brasileiros
quiserem mostrar aos nossos inúmeros visitantes um Brasil que não tem a cara do
Brasil. Vou sentir vergonha se quiserem mostrar violência em vez de um sorriso
maroto, se quiserem só mostrar uma eficiência de primeiro mundo e não
manifestar o nosso “jeitinho brasileiro” de ser.