Juiz de Fora, Juiz de Fora. Eu sentia tanto orgulho de ti, quando lia no
livro de geografia que eras o 26º maior município do Brasil, com seus 86.813
habitantes, de acordo com o censo de 1950. Eu me lembro dos meus pais e dos
vizinhos que traziam suas cadeiras pra calçadas e ficavam a trocar longas conversas, numa
época em que a televisão ainda não havia invadido os nossos lares. E a gente,
crianças, brincávamos de tudo que era possível, desde pular corda, a passar
anel, a pique bandeira e uma série de outras brincadeiras. Não ficávamos até
tarde porque tínhamos que acordar cedo para a escola e nossos pais tinham que
ir para as fábricas. Sim, as fábricas. Todos, tios e tias, trabalhavam nas
fábricas de tecelagem e nas malharias que se espalhavam pela cidade. No final
das tardes, a gente apreciava a quantidade de bicicletas dos operários retornando
a seus lares. Em agosto o vento soprava e a gente soltava papagaio, que alguns
chamavam de pipas. Colocávamos cacos de vidro na linha do bonde para deles
fazer pó e colocarmos com cola nas nossas linhas e, quem sabe, capturar algum
papagaio no céu de dono desconhecido.
Os anos se passaram e Juiz de Fora crescia devagar. Ainda na
adolescência, meu maior prazer era andar de bonde. E quando, pela efervescência
dos movimentos estudantis dos anos 60, eu comecei a me interessar por política,
eu adorava comprar o Jornal do Brasil nos domingos, o mais volumoso e mais
noticioso na época e pegava o bonde de Santa Terezinha que ia e voltava de uma
extremidade da cidade e em seguida pegava o São Mateus que ia e voltava de
outra extremidade. Enquanto o bonde avançava lentamente, balançando prum lado e
pro outro, eu ia devorando os artigos e mais artigos do JB. Que felicidade! E eu
já me achava um adulto bem informado naquele vai e vem dos bondes. Nas noites,
podíamos nos reunir no Parque Halfeld, em grupos de 10 a 15 amigos, todos
adolescentes, falando de nossos sonhos, nossas paixões, nossas limitações.
Virávamos a noite nessa tagarelice até o dia raiar e depois voltávamos para
casa, cada um contando uma mentira de que dormira na casa do outro amigo. Isso
quando não tinha baile no Clube Juiz de Fora e então era justificado que
voltássemos mais tarde. E voltávamos a pé, porque o último bonde era à 1 hora
da madrugada e os bailes se prolongavam até 2 ou 3 horas. E ninguém queria
perder a oportunidade de dançar mais um bolero ou samba canção. Voltávamos a pé
para casa, rapazes e moças. As moças muito bem recomendadas por seus pais que
confiavam a responsabilidade em um amigo ou irmão ou parente que as
acompanhavam. Elas abriam as bolsas e tiravam seus chinelos para trocar pelos
saltos altos porque o trajeto era longo. Nós tirávamos as gravatas. Sim, porque
o traje exigido para se entrar nos bailes era terno e gravata. E nós não
tínhamos mais que 16 ou 17 anos.
Hoje, eu caminho pelas ruas de Juiz de Fora e não reconheço mais aquela
cidade. O que restou de algumas poucas fábricas, foi transformado em shopping
center, em depósitos, em estacionamentos. Nas ruas não se vê mais crianças
brincando. Os bondes? Ah! Os bondes... Considerados obsoletos foram arrancados
pela raiz, nenhum trilho restou para contar a história de seus dias de glória. Ao
contrário, as ruas se transformaram em pistas de corrida onde motos e carros
disputam qual é mais violento, qual é mais barulhento, qual coloca mais em risco
as crianças e os velhos. As crianças passaram a ficar retidas em apartamentos,
brincando com seus ipads e iphones e não sabem o que é trepar numa árvore nem
conhecem pique bandeira. O mundo mudou, o chamado progresso chegou e exige que
as pessoas tenham pressa, muita pressa. Todas estão correndo pelas ruas, precisam
chegar a algum lugar, ainda que esse lugar não exista. E a pressa é tanta que
se esqueceram de como é dar bom dia e boa tarde, de pedir licença, de um por
favor e um muito obrigado. As pessoas perambulam pelas ruas feito zumbis, vivem
sob tensão, respiram poluição e nem se dão conta desse stress em que estão
vivendo. Já se acostumaram.
Por essas e por outras eu dei uma de Manoel Bandeira, e resolvi “ir
embora para Pasárgada, pois lá sou amigo do rei, lá eu tenho a mulher que eu
quero, na cama que eu escolhi.” Na minha Pasárgada as crianças ainda brincam
pelas ruas e se divertem enquanto as galinhas ciscam aqui e ali. Lá eu tenho o
bom e carinhoso sorriso da tia Dina que responde ao meu bom dia me convidando
prum gostoso café, lá eu encontrei amigos com quem podemos prosear até a prosa
se esgotar, lá eu respiro o ar puro e tenho tempo pra ver o pôr do sol e o céu
estrelado numa noite de lua cheia. Lá eu durmo na paz e acordo com o canto dos
pássaros. Lá eu toco a terra, lá eu semeio e vejo as plantas crescerem. Lá eu
vivo.
Minha Pasárgada se chama Conceição de Ibitipoca, e fica bem aqui nos
altos da Mantiqueira mineira.
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