quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Juiz de Fora que um dia foi a Princesa de Minas


Juiz de Fora, Juiz de Fora. Eu sentia tanto orgulho de ti, quando lia no livro de geografia que eras o 26º maior município do Brasil, com seus 86.813 habitantes, de acordo com o censo de 1950. Eu me lembro dos meus pais e dos vizinhos que traziam suas cadeiras pra calçadas e ficavam a trocar longas conversas, numa época em que a televisão ainda não havia invadido os nossos lares. E a gente, crianças, brincávamos de tudo que era possível, desde pular corda, a passar anel, a pique bandeira e uma série de outras brincadeiras. Não ficávamos até tarde porque tínhamos que acordar cedo para a escola e nossos pais tinham que ir para as fábricas. Sim, as fábricas. Todos, tios e tias, trabalhavam nas fábricas de tecelagem e nas malharias que se espalhavam pela cidade. No final das tardes, a gente apreciava a quantidade de bicicletas dos operários retornando a seus lares. Em agosto o vento soprava e a gente soltava papagaio, que alguns chamavam de pipas. Colocávamos cacos de vidro na linha do bonde para deles fazer pó e colocarmos com cola nas nossas linhas e, quem sabe, capturar algum papagaio no céu de dono desconhecido.
Os anos se passaram e Juiz de Fora crescia devagar. Ainda na adolescência, meu maior prazer era andar de bonde. E quando, pela efervescência dos movimentos estudantis dos anos 60, eu comecei a me interessar por política, eu adorava comprar o Jornal do Brasil nos domingos, o mais volumoso e mais noticioso na época e pegava o bonde de Santa Terezinha que ia e voltava de uma extremidade da cidade e em seguida pegava o São Mateus que ia e voltava de outra extremidade. Enquanto o bonde avançava lentamente, balançando prum lado e pro outro, eu ia devorando os artigos e mais artigos do JB. Que felicidade! E eu já me achava um adulto bem informado naquele vai e vem dos bondes. Nas noites, podíamos nos reunir no Parque Halfeld, em grupos de 10 a 15 amigos, todos adolescentes, falando de nossos sonhos, nossas paixões, nossas limitações. Virávamos a noite nessa tagarelice até o dia raiar e depois voltávamos para casa, cada um contando uma mentira de que dormira na casa do outro amigo. Isso quando não tinha baile no Clube Juiz de Fora e então era justificado que voltássemos mais tarde. E voltávamos a pé, porque o último bonde era à 1 hora da madrugada e os bailes se prolongavam até 2 ou 3 horas. E ninguém queria perder a oportunidade de dançar mais um bolero ou samba canção. Voltávamos a pé para casa, rapazes e moças. As moças muito bem recomendadas por seus pais que confiavam a responsabilidade em um amigo ou irmão ou parente que as acompanhavam. Elas abriam as bolsas e tiravam seus chinelos para trocar pelos saltos altos porque o trajeto era longo. Nós tirávamos as gravatas. Sim, porque o traje exigido para se entrar nos bailes era terno e gravata. E nós não tínhamos mais que 16 ou 17 anos.
Hoje, eu caminho pelas ruas de Juiz de Fora e não reconheço mais aquela cidade. O que restou de algumas poucas fábricas, foi transformado em shopping center, em depósitos, em estacionamentos. Nas ruas não se vê mais crianças brincando. Os bondes? Ah! Os bondes... Considerados obsoletos foram arrancados pela raiz, nenhum trilho restou para contar a história de seus dias de glória. Ao contrário, as ruas se transformaram em pistas de corrida onde motos e carros disputam qual é mais violento, qual é mais barulhento, qual coloca mais em risco as crianças e os velhos. As crianças passaram a ficar retidas em apartamentos, brincando com seus ipads e iphones e não sabem o que é trepar numa árvore nem conhecem pique bandeira. O mundo mudou, o chamado progresso chegou e exige que as pessoas tenham pressa, muita pressa. Todas estão correndo pelas ruas, precisam chegar a algum lugar, ainda que esse lugar não exista. E a pressa é tanta que se esqueceram de como é dar bom dia e boa tarde, de pedir licença, de um por favor e um muito obrigado. As pessoas perambulam pelas ruas feito zumbis, vivem sob tensão, respiram poluição e nem se dão conta desse stress em que estão vivendo. Já se acostumaram.
Por essas e por outras eu dei uma de Manoel Bandeira, e resolvi “ir embora para Pasárgada, pois lá sou amigo do rei, lá eu tenho a mulher que eu quero, na cama que eu escolhi.” Na minha Pasárgada as crianças ainda brincam pelas ruas e se divertem enquanto as galinhas ciscam aqui e ali. Lá eu tenho o bom e carinhoso sorriso da tia Dina que responde ao meu bom dia me convidando prum gostoso café, lá eu encontrei amigos com quem podemos prosear até a prosa se esgotar, lá eu respiro o ar puro e tenho tempo pra ver o pôr do sol e o céu estrelado numa noite de lua cheia. Lá eu durmo na paz e acordo com o canto dos pássaros. Lá eu toco a terra, lá eu semeio e vejo as plantas crescerem. Lá eu vivo.
Minha Pasárgada se chama Conceição de Ibitipoca, e fica bem aqui nos altos da Mantiqueira mineira.

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