sábado, 21 de dezembro de 2019

Papa Francisco


O Papa Francisco veio resgatar o que de mais puro, mais santo e mais humano está contido na mensagem de Jesus. Esse papado de Francisco é um tremendo chacoalhão nessa cristandade adormecida há anos, há centenas de anos. É uma sacudida nas estruturas dessa Igreja construída em cima de mentiras, de guerras e politicagens desde a Idade Média. E esse santo Papa Francisco surge neste momento em que essa “velha” igreja, essa secular “cristandade” assiste a esse paradoxo de perder popularidade para o crescente fundamentalismo evangélico que, por ironia, faz uso das mesmas estratégias de ilusão, exploração e manipulação que ela própria um dia usou para dominar. A questão é que a “velha” igreja reinou em tempos de ignorância quase coletiva e hoje vivemos o tempo da comunicação, em que o conhecimento está cada vez mais sendo disseminado. Dominar e manipular hoje as camadas que ainda permanecem ignorantes se faz através de ações imorais, de “fakenews”, de jogadas espúrias onde a arrecadação milionária de dízimos cria verdadeiros impérios. Neste início de século XXI, a Igreja encontrou-se diante de uma encruzilhada. Por um lado, poderia seguir sua antiga trajetória, mantendo suas estruturas rígidas, sua secular cumplicidade com os poderosos, sua antiquada e superada fixação em impor a si mesma e a seus fiéis padrões de conduta e interpretações não mais condizentes com esse mundo atual que questionou tudo e colocou tudo de pernas pro ar, debochando e desprezando valores antes considerados sagrados. Tal qual vai acontecer com esse fundamentalismo evangélico que se espalha nas camadas menos instruídas das populações, também a Igreja não foi capaz de, nesses dois mil anos, de despertar a consciência humana, em sua dimensão planetária, no sentido de tornar esse mundo mais amoroso, mais pacífico, mais inclusivo, em sintonia com a verdadeira mensagem de Jesus. A outra opção da Igreja está acontecendo pelas mãos desse santo Papa Francisco. A cada dia, a cada seu novo pronunciamento, uma luz de esperança surge de que a mensagem de Jesus possa ser ouvida nos quatro cantos da terra, a verdadeira mensagem que não se atrela à moralidade e aos costumes de uma época. O amor está além de qualquer variação história, seja ela econômica, política ou moral. O amor anunciado por Jesus é tão atual na velha Jerusalém, como nas periferias das grandes cidades de hoje. A carência desse amor nas práticas humanas é tão atual no antigo império romanos como nas modernas formas de imperialismos. E para a alegria de nossa alma, para o bem da humanidade, o Papa Francisco tem sido muito fiel e essa verdadeira e profunda mensagem de Jesus. A cada dia ele nos surpreende com uma nova atitude, um novo pronunciamento que parece estar desempacotando, trazendo de novo à luz, o verdadeiro sentido da fé e do amor de que nos falou Jesus, e que por muito tempo esteve atrelado a interpretações e manipulações.
Mas esse mundo dos homens sempre foi dominado pelos que ambicionam poder,  dinheiro e prestígio, esteve sempre sob a tutela da aliança entre esses poderosos e a religião. Assim foi desde as civilizações do antigo Egito e Mesopotâmia até os dias de hoje. Os líderes religiosos sempre estiveram ao lado dos reis, imperadores, presidentes e ditadores ao longo da história humana. Contestar a concentração de renda e de poder sempre foi tido como conspiração subversiva. A própria história de Jesus e sua condenação pelos poderosos da época é uma prova disso. E, na época, o povo dominado e manipulado pela aliança entre o poder político e os ditos religiosos da época, ajudou a condenar Jesus, devido à sua ignorância, à sua inconsciência. Esse é risco que corre o Papa Francisco, em sua corajosa ousadia de querer defender e difundir a mensagem de Jesus nesse mundo onde a ignorância e a inconsciência das populações também são dominados pelos poderosos em suas parcerias com aqueles que se autoproclamam líderes cristãos, aqueles que fazem uso de textos bíblicos para justificar suas viagens pessoais de ambição pelo poder e pela riqueza. E, infelizmente, sabemos que o Papa Francisco sofre acirrada oposição dentro da própria Igreja por aqueles que estavam acostumados à velha parceria com o “stablishment”. Por outro lado, o Papa Francisco está trazendo de volta à comunidade cristã, muitos que estavam desiludidos, mas que hoje conseguem ver nele uma luz, um fio de esperança nesse mundo de violência, de desrespeito humano, de preconceitos de todo tipo, de consumismo desenfreado, de falta de amor. Na proximidade dessa data em que se convencionou ser a do nascimento de Jesus, vem um desejo de que o Papa Francisco tenha uma vida longa e que continue trazendo sua luz a muitas trevas que ainda se fazem presentes nesta terra dos homens.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Juiz de Fora que um dia foi a Princesa de Minas


Juiz de Fora, Juiz de Fora. Eu sentia tanto orgulho de ti, quando lia no livro de geografia que eras o 26º maior município do Brasil, com seus 86.813 habitantes, de acordo com o censo de 1950. Eu me lembro dos meus pais e dos vizinhos que traziam suas cadeiras pra calçadas e ficavam a trocar longas conversas, numa época em que a televisão ainda não havia invadido os nossos lares. E a gente, crianças, brincávamos de tudo que era possível, desde pular corda, a passar anel, a pique bandeira e uma série de outras brincadeiras. Não ficávamos até tarde porque tínhamos que acordar cedo para a escola e nossos pais tinham que ir para as fábricas. Sim, as fábricas. Todos, tios e tias, trabalhavam nas fábricas de tecelagem e nas malharias que se espalhavam pela cidade. No final das tardes, a gente apreciava a quantidade de bicicletas dos operários retornando a seus lares. Em agosto o vento soprava e a gente soltava papagaio, que alguns chamavam de pipas. Colocávamos cacos de vidro na linha do bonde para deles fazer pó e colocarmos com cola nas nossas linhas e, quem sabe, capturar algum papagaio no céu de dono desconhecido.
Os anos se passaram e Juiz de Fora crescia devagar. Ainda na adolescência, meu maior prazer era andar de bonde. E quando, pela efervescência dos movimentos estudantis dos anos 60, eu comecei a me interessar por política, eu adorava comprar o Jornal do Brasil nos domingos, o mais volumoso e mais noticioso na época e pegava o bonde de Santa Terezinha que ia e voltava de uma extremidade da cidade e em seguida pegava o São Mateus que ia e voltava de outra extremidade. Enquanto o bonde avançava lentamente, balançando prum lado e pro outro, eu ia devorando os artigos e mais artigos do JB. Que felicidade! E eu já me achava um adulto bem informado naquele vai e vem dos bondes. Nas noites, podíamos nos reunir no Parque Halfeld, em grupos de 10 a 15 amigos, todos adolescentes, falando de nossos sonhos, nossas paixões, nossas limitações. Virávamos a noite nessa tagarelice até o dia raiar e depois voltávamos para casa, cada um contando uma mentira de que dormira na casa do outro amigo. Isso quando não tinha baile no Clube Juiz de Fora e então era justificado que voltássemos mais tarde. E voltávamos a pé, porque o último bonde era à 1 hora da madrugada e os bailes se prolongavam até 2 ou 3 horas. E ninguém queria perder a oportunidade de dançar mais um bolero ou samba canção. Voltávamos a pé para casa, rapazes e moças. As moças muito bem recomendadas por seus pais que confiavam a responsabilidade em um amigo ou irmão ou parente que as acompanhavam. Elas abriam as bolsas e tiravam seus chinelos para trocar pelos saltos altos porque o trajeto era longo. Nós tirávamos as gravatas. Sim, porque o traje exigido para se entrar nos bailes era terno e gravata. E nós não tínhamos mais que 16 ou 17 anos.
Hoje, eu caminho pelas ruas de Juiz de Fora e não reconheço mais aquela cidade. O que restou de algumas poucas fábricas, foi transformado em shopping center, em depósitos, em estacionamentos. Nas ruas não se vê mais crianças brincando. Os bondes? Ah! Os bondes... Considerados obsoletos foram arrancados pela raiz, nenhum trilho restou para contar a história de seus dias de glória. Ao contrário, as ruas se transformaram em pistas de corrida onde motos e carros disputam qual é mais violento, qual é mais barulhento, qual coloca mais em risco as crianças e os velhos. As crianças passaram a ficar retidas em apartamentos, brincando com seus ipads e iphones e não sabem o que é trepar numa árvore nem conhecem pique bandeira. O mundo mudou, o chamado progresso chegou e exige que as pessoas tenham pressa, muita pressa. Todas estão correndo pelas ruas, precisam chegar a algum lugar, ainda que esse lugar não exista. E a pressa é tanta que se esqueceram de como é dar bom dia e boa tarde, de pedir licença, de um por favor e um muito obrigado. As pessoas perambulam pelas ruas feito zumbis, vivem sob tensão, respiram poluição e nem se dão conta desse stress em que estão vivendo. Já se acostumaram.
Por essas e por outras eu dei uma de Manoel Bandeira, e resolvi “ir embora para Pasárgada, pois lá sou amigo do rei, lá eu tenho a mulher que eu quero, na cama que eu escolhi.” Na minha Pasárgada as crianças ainda brincam pelas ruas e se divertem enquanto as galinhas ciscam aqui e ali. Lá eu tenho o bom e carinhoso sorriso da tia Dina que responde ao meu bom dia me convidando prum gostoso café, lá eu encontrei amigos com quem podemos prosear até a prosa se esgotar, lá eu respiro o ar puro e tenho tempo pra ver o pôr do sol e o céu estrelado numa noite de lua cheia. Lá eu durmo na paz e acordo com o canto dos pássaros. Lá eu toco a terra, lá eu semeio e vejo as plantas crescerem. Lá eu vivo.
Minha Pasárgada se chama Conceição de Ibitipoca, e fica bem aqui nos altos da Mantiqueira mineira.

Conceição de Ibitipoca, meu aconchego.


Conceição de Ibitipoca. Esse arraial aqui no alto da Mantiqueira mineira, tão rico de aconchego, de simplicidade, de gente amiga. Ibitipoca, Minas Gerais por excelência, onde a mineirice se revela em sua forma mais pura, onde todo mundo dá bom dia e boa tarde com uma cara boa e um sorriso amigo. Terra de mineiro desconfiado, mas que depois que te conhece, abre os braços e te acolhe, onde os meninos ainda brincam e correm pelas ruas igual aos velhos tempos de nossas infâncias quando poucos carros trafegavam nas cidades. Galinhas soltas ciscam em toda parte e os cães perambulam preguiçosamente pelas ruas. 
Conceição de Ibitipoca, o que você esconde em suas ruas estreitas, em seus casarios centenários, em suas igrejas coloniais? Quantas histórias acumula há mais de 300 anos quando por aqui passaram mineradores, quando chegou a ser uma vila com 5.000 moradores, considerado um importante núcleo urbano para a época.
E o que será que se esconde em suas montanhas e seus vales por onde os pássaros fazem seus desfiles aéreos competindo para ver qual tem plumagem mais colorida e qual tem o canto mais melodioso... E particularmente o que se esconde em seu Parque com suas cavernas, suas cachoeiras, seus remansos, seus cannyons, suas matas, essa joia que resume tudo que há de mais belo na natureza dessa região que atraiu cientistas e viajantes que por aqui passaram 200 anos atrás encantados com as peculiaridades de sua paisagem e flora.
Aqui eu entendi as palavras de Geraldo Azevedo quando disse que Minas é onde o oculto do mistério de escondeu.
Viver em Conceição do Ibitipoca é viver esse mistério oculto, escondido, onde as palavras não são capazes de revelar. Aqui a revelação do mistério se dá no viver, não no falar. Obrigado Conceição de Ibitipoca por me acolher, onde eu finalmente encontrei o meu aconchego.