terça-feira, 9 de dezembro de 2008

O Caminho com Osho - II

Perguntaram-me: como é possível ter Osho como referência, se ele próprio nos diz que não quer seguidores?

De fato não é tão simples entender os toques do Osho.
Para mim, o seu grande toque, talvez o maior de todos, é o de que nós temos que encontrar nosso próprio mestre interior. E o caminho para esse encontro é a meditação.
Mas como meditação é estado de não-mente, fica muito difícil falar sobre isso, utilizando palavras.
É essa exatamente uma das grandes contribuições do Osho: ter conseguido expressar em palavras muitas coisas que a gente não consegue dizer.
Por isso ele muitas vezes parece contraditório e até incoerente. E de fato é, pois ele nos fala sobre temas que não estão sob o domínio da lógica.
Por isso surgem os mal-entendidos a respeito da mensagem do Osho. Ele arriscou falar sobre o que não se fala.

Se a minha busca é pelo meu mestre interior, então a minha busca não é por Buda, nem por Cristo nem por Osho.
Então, eu não tenho que seguir Buda, nem Cristo nem Osho. Eu tenho que seguir o meu mestre interior, o centro de sabedoria que reside dentro do meu ser.
Todos nós guardamos no nosso centro mais profundo, essa grande preciosidade, esse mestre interior que é a fonte de nosso discernimento, de nossa sabedoria, de nosso amor em sua forma pura, de nossa compreensão...

Mas a sociedade nos treinou desde cedo para sufocarmos essa fonte interna de sabedoria e verdade, para nos moldarmos aos seus padrões, incluindo a moralidade, as crenças religiosas, as ideologias políticas, e uma série de conceitos e condutas que nos propiciam respeitabilidade e prestígio aos olhos dos outros.
É nesse estado que nos encontramos. Andamos pelas ruas, repletos de pensamentos, dúvidas, convicções, sonhos e ilusões, conceitos de certo e errado, opiniões, preocupações, racionalizações, e também carregamos raivas, medos, ressentimentos, invejas, frustrações, que fomos acumulando ao longo da vida.

Como dar o salto? Como nos livrarmos desse estado ao qual fomos condicionados e alcançarmos uma sintonia com o estado de serenidade, relaxamento e discernimento que repousa escondido dentro de nós? É uma tarefa difícil, sobretudo porque este salto tem que ser dado por nossa própria conta e risco e a sintonia com nosso centro mais profundo só acontece de maneira relaxada, espontânea e natural. O desafio é grande, a responsabilidade é totalmente individual, mas cada passo nessa busca já é uma conquista. Cada nó que eu desato já amplia significativamente a minha capacidade de respirar mais livremente. Isso é um grande estímulo.

Mas essa não é uma questão que aflige a grande maioria da população. Essa é uma questão que diz respeito a um pequeno grupo: somente àquelas pessoas que em algum momento da vida começaram a se questionar sobre o sentido dessa própria vida, do cosmos, da eternidade. E para alguns poucos, esses questionamentos se tornaram o foco principal, o sentido da vida. Entendo que este é o caso de todos nós que chegamos até a mensagem do Osho. Não foi à toa que seus livros nos tocaram e sensibilizaram. Para nós, essa questão do salto é relevante.

Seria muito mais fácil para nós, buscadores, se houvesse um roteiro a ser seguido, um manual com dicas e atalhos. Mas não é assim que se chega a algum lugar, não é assim que se dá o salto quântico. Por isso, Osho não criou um sistema de crenças e rituais que acabariam se tornando substitutos àqueles que nos foram impostos pela sociedade e suas instituições. Por isso, ele não deixou sucessores, não organizou uma religião, não deixou Dez Mandamentos. Ele simplesmente nos convidou, nos estimulou, nos seduziu, para que encontrássemos nossa própria religiosidade, para que respeitássemos nosso corpo como o único templo, e resgatássemos o contato com o nosso centro interior, que é a nossa fagulha divina.

Osho, tendo alcançado a compreensão maior que é o estado de iluminação, simplesmente compartilha conosco sua visão, sua abordagem da vida, de maneira que possamos, através dele, perceber que aquele estado búdico que ele realizou é possível para cada um de nós.

Para nós buscadores, no estado em que nos encontramos, Osho representa um presente da existência. As suas palestras, os seus toque, transcritos em livros são preciosidades para nós. No estado em que nos encontramos, ainda precisamos ouvir as suas chamadas para abrirmos os olhos, para abrirmos nossas percepções e nossa compreensão, para mergulharmos nas práticas de meditação. Mas ele faz questão de estar sempre insistindo no fato de que cabe a cada um de nós aguçar o nosso observador interno e que só assim conseguiremos acessar nossa fonte interna de lucidez e discernimento, e também conhecer a abertura e receptividade mais sutil que nos permitirá saborear o verdadeiro perfume das flores, o esplendor mais profundo de um céu estrelado numa real dissolução harmônica com o cosmos.

Por isso Osho não é um guru, ele não quer nos conduzir, ele não nos apresenta nenhum mapa, nenhum roteiro, nenhum atalho para chegarmos a algum lugar. Como ele mesmo diz, ele é apenas um convite, ele é um desafio, ele é um empurrão para nos encorajar a darmos o nosso salto, por nossa própria iniciativa e responsabilidade. Eu mesmo estava em Puna e o ouvi dizer: “eu estou empurrando vocês pela janela. Se vocês abrirem as asas e voarem pelo céu, o mérito é de vocês. Se vocês caírem e se afundarem na lama, o problema é de vocês. Eu estou apenas lhes dando um empurrão e dizendo que existe o céu no alto e a lama em baixo.” O desafio é individual. A responsabilidade é pessoal.

sábado, 6 de dezembro de 2008

A vida começa aos 60



É claro que, nesta presente encarnação, a vida começa a ser contada a partir de nosso nascimento. A gente nem se lembra mais, mas deve ter sido grande o impacto que tivemos quando captamos as primeiras impressões do mundo externo, as sensações táteis, os sons, as cores... Pôxa! Deve ter sido algo realmente fantástico, embora na época não tivéssemos ainda desenvolvido certos sensores , ou pelo menos eles ainda não estavam articulados sob o comando de uma central que processasse tudo conscientemente. E, mesmo depois, enquanto os primeiros anos avançavam, quantas descobertas fomos acumulando... Os primeiros passos, as primeiras palavras, as primeiras frases, os primeiros quebra-cabeças, as primeiras descobertas...

Quando eu estava próximo de completar vinte anos de idade, também tive uma sensação muito forte de que, agora sim, a vida estava começando para mim. Eu me lancei cedo numa carreira profissional e logo senti o gostinho de ter meu próprio dinheiro, de poder ter um fusquinha azul claro, de comprar todos os discos que sonhei ter, todos os João Gilberto, todas as Nara Leão, os Tamba Trio e todas as Elis. E também aqueles Duke Ellington, os Dizzy Gillespie e as Billy Holiday. E os livros? Sartre, Marx, Herman Hesse, Vinicius, Drumond... Sob certo sentido eu me sentia dono do mundo, pelo menos do “meu” mundo que eu estava construindo. Já podia pensar em constituir uma nova família, construir um patrimônio... Eu sentia que estava tomando as rédeas de meu destino e escrevendo a minha história. Quanta ousadia, quantos riscos, quantos medos...

Passados, porém, mais vinte anos, eu enfrentava novamente um período de grandes mudanças. Agora, eu olhava para trás e tinha uma visão de toda a vida que eu havia construído; podia ver e sentir o preço que tinha pago, tostão por tostão, por toda aquela estrutura montada. E começava a desconfiar - chegava mesmo a perceber - que a vida poderia ter tido um significado mais profundo, uma intensidade maior, um colorido mais vivo. Eu estava com quarenta anos e consegui chegar a uma compreensão de que eu tinha o direito e o poder de proclamar a minha liberdade. Vivi então o tempo da demolição, o tempo de desmontar, se não tudo, pelo menos muita coisa. Tempo de descobrir a quantidade de fardo que carregava desnecessariamente e jogar fora sem pensar duas vezes. Tempo de novas viagens para fora e para dentro. Tempo de experimentar os primeiros passos no desconhecido mundo do autoconhecimento. Quantas descobertas, quantos saltos, quantos novos experimentos em todos os níveis... Era o tempo de reaprender a andar, reaprender a sentir, a brincar, a dançar e a cantar. Começava a construir uma nova vida, com um entendimento mais abrangente e mais profundo, acreditando em novos sonhos e ideais de uma possível vida de paz e harmonia com o cosmos.

Mas eis que agora eu paro e me deparo diante de um espelho e descubro que os anos continuaram passando e eu cheguei aos sessenta. E quando eu digo que paro e me deparo diante do espelho, eu quero dizer muitas outras coisas além da simples constatação quantitativa do tempo passado. Há também a constatação qualitativa, há a intensidade, a diversidade e a profundidade. E mais que tudo isso, há uma compreensão que sinto chegar naturalmente, sem qualquer esforço de minha parte. E quando paro, eu me deparo diante de todos os sonhos, de todos os ideais e de todos os projetos, os realizados e os abortados, desde a infância, durante a mocidade e naqueles tempos ditos mais maduros. Por vezes, eu paro e apenas paro. Outras vezes eu paro internamente e continuo andando, mas o andar já se torna um passear, uma contemplação ambulante das ruas, das pessoas, dos carros, dos jardins, dos pássaros, das cores e dos sons. No movimento dos outros eu vejo todos os movimentos que eu mesmo fiz, na luta contra obstáculos, na proclamação dos ideais, na busca da realização dos sonhos. Quando me deparo diante do espelho que é o meu próximo mais próximo, eu vejo tudo em mim, numa dimensão passada. E paro. E por vezes, apenas paro. Descubro pela primeira vez vivencialmente a diferença entre nadar e flutuar com a vida. Intelectualmente eu já sabia disso e de tudo o mais. Mas agora, quando paro, eu consigo perceber que só tenho disposição para flutuar, que já não tenho vontade de nadar, que o nadar já não faz mais sentido. E quando eu permaneço no flutuar, vejo que nada faço, que permaneço parado e as coisas acontecem naturalmente. Talvez “parado” não seja a palavra certa. E não é. É mais um “relaxado”, sem expectativas, ou poucas. Um deixar as coisas acontecerem por si mesmas e observar.
Não parei de nadar ainda. Nado, e muitas vezes só pela curtição do nadar, sem mesmo olhar para onde. Mas, sobretudo, os sessenta anos têm me trazido muito mais facilidade para ver e entender que nadando eu não chego a lugar algum. E também que, se eu me permito flutuar, a vida me leva para onde eu devo ir, para onde faz sentido eu estar.
O fazer não se esgotou, mas agora já começa a querer assumir feições de uma brincadeira, de um relaxamento, de uma curtição, como se ele estivesse procurando descobrir o prazer de cada movimento e com um cuidado de escolher o passo que está mais em harmonia com o todo – interno e externo. Sim, parece mesmo que a vida está começando agora, aos sessenta. Pelo menos para mim.